Masturbação na Era Vitoriana  

Posted by Moriel in , , ,

Era uma vez um jovem, aprendiz de um artesão qualquer. Mas, aos 17 anos, ele foi acometido por um mal terrível, e a sua saúde começou a piorar. Tinha acessos da terrível doença diariamente, várias vezes. Tinha convulsões, o pescoço ficava tenso e inchado. Um ano mais tarde, tinha dificuldades para ingerir alimentos, e passava até 15 horas seguidas sem comer. Por causa da doença, deixou de trabalhar e ficou reduzido a miséria. Agora, ele parecia um zumbi. O seu corpo secou, com exceção dos pés, que incharam. O nariz sangrava, tinha problemas de vista e pulso acelerado. Além disso, ele começou a urinar na cama. Depois de passar várias semanas inconsciente, ele morreu.

Então, que doença que esse coitado pegou? Será que é comum? Tem tratamento?
O conteudo a seguir não é recomendado para pessas que ainda têm pesadelos com os absorventes de crochê, e também para crianças e mulheres grávidas. Saiba mais!
Se alguém ficou com pena do rapazinho, foi besteira. Porque a culpa é toda dele! A terrível doença que ele tinha não era nada mais, nada menos que masturbação. As revistas e os livros de medicina do século 19 estão polvilhados de histórias semelhantes. Pessoas que se masturbam sofrem das terríveis consequências do mau hábito, seus amigos os evitam, e no final eles ficam na miséria e morrem. Obviamente, se não se tratarem a tempo.

O ápice da paranoia coincidiu com o século 19, mas a história toda começou bem antes. Assim, já em 1760, imprimia-se panfletos declarando que a masturbação era um pecado terrível, e a relacionavam a cegueira e a impotência. Depois de listar todas as consequências medonhas, o panfleto oferecia, para aqueles que sofriam disso tudo, de se livrar do problema, comprando pílulas e beberragens. Foram estes panfletos do século 18 que definiram o formato das publicações posteriores sobre o tema, sempre seguidas de propaganda.

Fora a vontade de vender pílulas mágicas a preço de ouro, o que provocava um medo quase paranoidal da masturbação? A causa principal era principalmente a visão da fisiologia do ser humano. "Sangue é vida", repetia o pobre Renfield de "Dracula" de Stocker, mas, segundo as convicções da época, ele stava errado. Justamente no esperma, segundo a opinião dos médicos, é que estava a energia vital. Nada surpreendentemente, na Idade Média e também mais tarde, o verbo "to die" (morrer) era sinônimo de "atingir o orgasmo" (desculpem se estraguei o Shakespeare de alguém). Afirmava-se que a perda de grandes quantidades de esperma tem um efeito negativo sobre a saúde, causando perda de memória, enfraquecimento do organismo etc. Recomendava-se moderação, inclusive no casamento, já que a perda de esperma durante relações com a esposa, apesar de ser melhor que a masturbação, ainda era perigosa. Já a polução noturna era um verdadeiro pesadelo. Afinal, você está lá dormindo de boa, e a sua energia vital vai fugindo! Muito feio. Os espermatozóides têm que ficar quietinhos. Enfim, enquanto as mulheres sofriam com os médicos que achavam que menstruação é doença, os homens do século 19 também estavam ferrados.

Em poucas palavras, o corpo conspirava contra o ser humano e exigia controle ininterrupto sobre os processos fisiológicos.

Contribuía também a forma como o orgasmo era visto. Vejamos mais uma história, dessa vez do século 18.

Um jovem aristocrata que, por motivos familiares, havia se tornado monge, durante uma viagem, pernoitou num vilarejo. Seus anfitriões, naquele dia, choravam a morte da sua filha, bem bonitinha por sinal, cujo enterro seria no dia seguinte. Os pais, desconsolados, pediram para que o monge rezasse sobre o caixão dela. Ao ficar sozinho com a bela defunta, ele não aguentou e, por assim dizer, não rezou. Depois, envergonhado, o necrófilo iniciante fugiu, sem esperar pelo enterro.

Uma pena, porque perdeu toda a diversão. Bem no meio do enterro, as pessoas ouviram barulhos estranhos vindos do caixão. Tiraram a tampa e os pais tiveram a alegria de ver que a filha estava viva! Alguns meses mais tarde, a felicidade da família diminuiu, pois a mocinha estava grávida, e não sabia dizer de quem. A criança ficou com a família, e a filha vadia foi trancada num mosteiro.

Para variar, um final feliz. Alguns anos mais tarde, o aristocrata, que havia aberto mão dos seus votos devido a melhora da situação financeira, foi parar naquela mesma vila. Ao saber do ocorrido, ficou envergonhado, e correu até o mosteiro para pedir a mãe do seu filho em casamento. E eles viveram felizes (fora os acessos de ciúme da mulher toda vez que ele ia num enterro).

Num cmentário de 1752, duvida-se que o monge realmente acreditou que a jovem estava morta. Porque, certamente, ela se mexeu durante o sexo. Porque, caso contrário, ela não poderia ter engravidado!

Sim, sim, sim. No século 18, ainda era bem comum a crença de que, para que a concepção ocorra, é necessário que ambos os envolvidos atinjam o orgasmo. Seguia-se a linha de raciocínio de Aristóteles e Haleno, que consideravam que os corpos feminino e masculino são, basicamente, idênticos, só que os órgãos reprodutores femininos estão virados do avesso, e ficam dentro do corpo. Tanto o corpo masculino, quanto o feminino produzem esperma, só que o esperma feminino é mais fraco que o masculino. Os ovários são o equivalente dos testículos, e o útero, o equivalente do pênis. E se o homem tem uma ereção, também a mulher deve ter um equivalente. Seguindo esta lógica, para que haja liberação do esperma feminino, é necessário que a mulher tenha um orgasmo vaginal. Por isso, a masturbação até é útil, para que a mulher esteja bem "aquecida". Por este motivo, durante muitos séculos, até a Renascença, os médicos recomendavam que os homens sussurrassem pequenas indecências no ouvido das esposas, e que as mulheres se preparassem para o ato. Por exemplo, Maria Teresa, imperatriz da Austria, questionou o médico, logo depois do casamento, sobre o que fazer para engravidar mais rápido. A resposta foi acaiciar os órgãos reprodutores antes do ato (ela deve ter seguido o conselho à risca, dado o número de filhos que teve).

Maravilhoso, não? Essa visão tinha um grande defeito, que pode ser notado, inclusive, na história do monge e da defunta. Se uma mulher foi estuprada e engravidou, isso significa que não houve estupro algum! Afinal, que estupro é esse se a vítima goza? Não minta, vítima, olha a barriga.

Tá bom que as pessoas duvidavam dessa teoria mesmo antes que os médicos a desmentissem. Digamos, as versões do conto de fadas sobre a Bela Adormecida, em que o príncipe simplesmente a violenta e ela tem um filho 9 meses mais tarde, sem despertar.

Em 1836, a história do monge necrófilo foi revista, para concluir-se que uma mulher pode, facilmente, engravidar, estando inconsciente, eliminando assim a necessidade de prazer da equação. No momento em que se tornou claro que o orgasmo feminino não é necessário para o desempenho da principal função da mulher, o orgasmo tornou-se inútil. E a idealisação da mulher como "anjo do lar", no século 19, somente fortaleceu o medo da masturbação. Por acaso essa criatura meia, pura e inexperiente pode tocar partes do corpo cujo nome ela nem sabe? E se for não uma mulher casada, mas uma jovem donzela, a coisa fica feia.

O fato de que jovens de ambos os sexos praticavam masturbação semeava pânico na sociedade. Os vitorianos acreditavam que as crianças eram seres puros, próximas da natureza, fadas, magia. Sua sexualidade era negada, e a masturbação era uma questão crítica para muitos médicos. Uma criança pura pode, conscientemente, buscar prazer erótico? Não. Então tem alguma coisa de errado aí.

Para começar, é possível que a criança simplesmente tenha uma verminose, ou infamação, ou use roupas de baixo apertadas demais, e por isso tenha coceira lá. Outras opções? E se a criança faz isso sem compreender? Claro, alguem simplesmente ensinou porcaria, por exemplo uma baba depravada ou coleguinhas. Neste caso, basta isolar a coitada das más influências, e tudo voltará ao normal. Ou então já não se trata de uma criança pura, mas um monstrinho depravado, possuído por espíritos malignos. Ou, numa versão mais bondosa, pequeno mártir, vítima da falta de vigilância dos adultos. Como diz Dostoievski:

"Toda mãe e todo pai sabem, por exemplo, sobre um terrível hábito infantil, que algumas crianças infelizes adquirem quase que aos dez anos e que, sem a devida vigilância, pode as transformar, as vezes, em idiotas, em velhos débeis e flácidos, ainda na juventude".

Desculpem se eu estraguei o Dostoievski de alguém, remova essa citação da sua mente quando for ler "O Idiota".

O hábito é apresentado como anti-natural. A culpa, nesse caso, é dos mais, que não ficam de olho nos filhos. Vários outros autores afirmam que masturbação e homossexualidade são causados por falta de amor paterno, e podem ser curados com exercícios ao ar livre.

De um jeito ou de outro, a masturbação era considerada, na segunda metade do século 19, uma doença terrível, fonte de corrupção espiritual e física. Os horrores desta última não se limitavam a crescer cabelo na palma da mão. Enfim, uma breve descrição, para que todos possam reconhecer e passar para o outro lado da rua (mas sério, é ou não é reconhecível?):

Comportamento: fica nervoso na presença de damas, se envergonha e tenta se afastar o mais rápido possível (e sabemos o que ele vai fazer quando cair fora). Prefere a solidão.

Rosto: pele pálida, as vezes amarelada. Espinhas, principalmente na testa. Olhos sem brilho. Olheiras. Pupilas delatadas. Olhar preocupado e envergonhado.

Corpo: membros fracos. Tremores. Dores de cabeça e tonturas. Dores nas costas, na barriga e no pescoço. Problemas com digestão, prisão do ventre e diarreia.

Órgãos reprodutivos: em estado terrível. O pênis encolhe e fica flácido, há problemas com ereção. Impotência. Inflamação e dores constantes. E tem muito mais, mas não sei como isso vai ajudar a identificar uma pessoa dessas na rua.

Psicológico: frequentemente, gagueja. Problemas com fala. Memória ruim. Delírios frequentes. Perda de apetite. Fantasias eróticas constantes. Possivelmente, epilepsia ou insanidade.

Insanidade como consequência da masturbação é, por sinal, um ponto de destaque. E nem todos os punheteiros de plantão morriam queitinhos sobre seu montinho de trapos podres, que nem o nosso amigo lá do começo do post (descrito em detalhes no livro The Silent Friend, 1847). Outros deixavam este mundo escandalosamente. Em Manhood Perfectly Restored, de 1885, é descrito um mendigo americano que, num acesso de raiva, começou a quebrar tudo. Acabou na polícia, e depois no hospital. Os médicos chegaram a conclusão de que estava insano, com acessos de raiva seguidos de melancolia e tentativas de suicídio. Obviamente, a causa de tudo isso era a masturbação, a que ele se entregava com muita dedicação no hospital, para o escândalo geral.

Convem observar que nem todos achavam que masturbação causa insanidade. Alguns médicos de peso julgavam que, na verdade, acontece o contrário. Doente, escolha o diagnóstico de sua preferência.

Depois de ouvir todos estes horrores, uma pessoa estará disposta a qualquer coisa para evitar um destino tão terrível. Felizmente, os médicos que estudavam o assunto eram não só de elevada moralidade, mas também extremamente zelosos, e ofereciam uma grande variedade de métodos de cura para os leitores.

No próximo post, tratarei justamente sobre a cura do nosso probleminha.

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8 comments

Este comentário foi removido pelo autor.
10 de julho de 2013 às 01:48

Adorei! :)

10 de julho de 2013 às 02:00
Anônimo  

continue fazendo o seus posts, são incriveis!

12 de julho de 2013 às 09:00
Anônimo  

O engraçado desse post não é nem questão da diabolização da punheta, e sim por eu me identificar com certos sintomas da Matsubara.

28 de julho de 2013 às 07:31
Stefanny  

Adoro seu blog! Precisamos de mais posts! *.*

10 de outubro de 2013 às 12:57

Que doideira! UAHSUHASUHAS!!
Conheci o blog hoje e adorei o conteúdo! Seguindo desde já!


universoasfixia.blogspot.com.br

3 de dezembro de 2014 às 14:17

Amei seu blog. Sou muito curiosa sobre como era que as coisas funcionavam no passado. Volta a postar de novo !!

8 de janeiro de 2016 às 17:38

Faz anos que encontrei esse blog e ele continua nos favoritos, apesar de não ser mais atualizado. Gostaria demais que você continuasse! Muito bom conteudo

8 de abril de 2017 às 19:37

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