Conselho Familiar  

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- Mas pai... mãe... Eu mesmo vou cuidar dela...

A mãe olhava com desconfiança, o pai parecia cansado. Não era primeira vez que essa conversa começava.

- Quantas vezes vocês vão me dizer não, e acabou? - adicionou o filho. - Se não, porque não? Porque me tratam como criança?

- Você imagina o quanto trabalho ela dá? - perguntou o pai. - Não poderá se esquecer dela por alguns dias, e depois continuar brincando. Se você fizer isso ela, muito provavelmente, terá morrido quando você voltar.

- Sim, pai, eu entendo, ela é domesticada, não vai achar comida sozinha... Mas eu vou alimentá-la, todo dia, talvez até mesmo duas vezes...

- Duas vezes? - sorriu a mãe. - Eles jamais comem menos de três vezes por dia. E algumas são alimentadas quatro ou cinco vezes, são tão frágeis... Você acha que eu e o seu pai não temos mais o que fazer além de dar comida para um brinquedo seu?

- E você ainda terá que passear com ela, - adicionou o pai. - Se deixar ela trancada o tempo todo, ela vai murchar logo... Você terá que levá-la para fora todo dia, fora quando estiver muito frio, e soltar na grama. E ficar de olho para que ela passeie bem.

- E ainda para que ela... hm... faça xixi? - quis saber o filho.

- Não, fazer xixi uma vez por dia é muito pouco para eles... São assim, não podem aguentar muito. Mas sempre vêm habituadas a usar sempre o mesmo lugar. Vai arrumar uma vasilha especial para isso e depois limpar...

- E limpar todo dia, - adicionou a mãe, com pressão. - Eu não quero que a nossa casa cheire a isso...

O filho ficou menos animado, mas ainda insistia.

- E você ainda terá que dar banho nela, - adicionou a mãe. - E trocar a caminha dela. Senão, vai ficar cheia de bichinhos, vai começar a se coçar, e ficará irritada e feia.

- Sim, lavadas, elas são mais alegres e clamas, - concordou o pai.

- Eu vou dar banho. Quantas vezes precisar. Já não sou pequeno e entendo tudo... Deixem-me criar uma, por favor.

- Depois do banho, você terá que secá-la e mantê-la aquecida, até ela secar completamente, - continuou insistindo a mãe. Talvez só no calor não precisa fazer isso. Senão, vai resfriar, ficará doente e morrerá. Eles se resfriam por qualquer bobagem.

- Mamá, já combinei com o vó. Ele sabe tratá-los, e vai ajudar com ela se acontecer alguma coisa...

- Eles não ficam doentes só por causa do frio. Devem ser alimentados com coisas frescas e bem lavadas, o estômago é tão fraquinho... E ainda não comem carne crua.

- Como assim não comem? - surpreendeu-se o filho.

- Assim. Só assado, no fogo.

Os pais olhavam como o filho sofre, sem poder nem desistir do sonho, nem tomar todo esse monte de encargos. Finalmente o filho se decidiu.

- Fazer o que... Pode ser assado. Eu preciso muito, muito dela. Vocês estão me prometendo uma irmãzinha faz tanto tempo já... E sempre estou sozinho.

- Você ainda terá que botar para correr os namorados dela, - avisou o pai. - São assim... Se juntam na porta, fazem barulho, tentam entrar na casa. Alguns vão até te atacar, se prepare.

- Sim, muita dor de cabeça, - suspirou a mãe. - Mas ainda assim é melhor pegar uma fêmea, são mais calmas. Os machos fogem logo ou morrem por besteira... Sim, outra coisa, filho. Ela também pode morrer, mesmo se você cuidar muito bem dela. E você vai se apegar, vai ficar muito triste. Não tem medo?

- Eu farei de tudo para que não aconteça nada com ela, - respondeu o filho, sério. - Já gosto dela antecipadamente.

- Mas olha lá, se esta morrer rapidamente, não vamos deixar você pegar outra.

O filho concordou.

- Nem adianta falar com ele, né... - reclamou o pai. - Teimoso, igual os seus parentes...

- Não mexa com os meus parentes, - aconselhou a mãe. - Olhe para você mesmo primeiro!

- Mamá, papá! Posso então? Posso, sim?

- Pode, pode, - suspirou o pai, cansado. - Conheço você, se não deixar, vai trazer uma as escondidas...

O filho pulou de alegria.

- Tudo bem! - terminou a mãe. - Vá voando, sequestre a sua princesa, enquanto nos não mudamos de opinião... E tome cuidado pra não se machucar!

O príncipe  

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- Está estranhamente silencioso, - disse o chefe de família, ao entrar na sala. - E onde está a minha querida menina? Porque não vem encontrar o papai?

- Está triste. Se escondeu no quarto para chorar, - disse a mãe, em voz baixa. - Fomos vizitar a irmã, - começou ela com um suspiro, - e as sobrinhas Iris e Lia contaram um monte de histórias sobre príncipe no cavalo branco para a criança. Nossa ficou morrendo: "Quero um príncipe, quero um príncipe..." E essas malvadas começaram a rir, que ela ainda é muito pequena para um príncipe. Poxa! - suspirou a mãe, entristecida. - E eu, também, sem querer... - ela olhou para o marido. - Eu não percebi aonde as coisas estavam indo... - Uma lágrima brilhou na face dela. - É que ela perguntou se tem príncipes com cavalos brancos no nosso reino. E eu falei que tem, mas são todos muito velhos. As sobrinhas caíram na gargalhada, e a nossa desatou a chorar. Não conseguiu se acalmar até agora. Vai lá, converse com ela.

- É claro, - agitou-se o pai. - Vou agorinha mesmo, - ele virou-se para a porta do quarto da filha. - Se bem que... - parou ele. - Sobrou algum pedaço do bolo? - a mãe fez um gesto afirmativo. - Dê-me, vou levar um doce para ela.

O quarto da filha estava bastante escuro. Somente na mesinha ardia, faiscando um pouco, uma pequena lamparina. O pai deu uma volta pelo quarto, tentando não pisar nos brinquedos espalhados, e cutucou ligeiramente o novelo bravo que se escondia no canto mais escuro.

- Grilinho! - chamou ele, carinhosamente.

Soaram resmungos e suspiros.

- Queridinha! Papai te trouxe bolo.

- Vá embora! - resmungou o novelo.

- Como? Nem vai querer bolo?

O novelo apertou-se ainda mais.

- Não vai nem dizer oi para o papai? E o papai queria te contar uma coisa bem interessante.

Alguma coisa bufou dentro do novelo.

- Você sabe o que o papai viu hoje? - o pai abaixou-se e colocou o bolo do lado do novelo. - Seu pai andou pelo reino hoje. Foi para o leste, e para o oeste também. Olhou quem mora por lá, o que faz... - o pai olhou, com expectativa, para o novelo, mas aquele não deu sinal de vida.

- E eis que eu passei por uma floresta verdejante. Uns pássaros cantando, coelhinhos pulando... E depois da floresta, havia um campo. E no campo, cavalheiros. Eu olhei, e vi, junto com os guerreiros, um menino. Mal alcança os estribos. Apesar de ele ser pequeno, todos o reverenciam, obedecem-no. E eu pensei: deve ser um príncipe.

Nesse momento o novelo se mexeu, e um pequeno narizinho curioso apareceu debaixo do cobertos.

- Príncipe? - perguntou.

- Príncipe! - confirmou o pai. - E ainda, entre os cavalos, vi um cavalinho bem pequeno. Pequenininho, todo branco. Sem uma mancha!

- Não está me enganando?

- É claro que não! Não mesmo! - sorriu o pai.

- E porque o príncipe é tão pequeno? - a menininha finalmente saiu debaixo do cobertor e tentou subir nos joelhos do pai.

- Mas você também não é grande. Mas o príncipe vai crescer, a cada ano que passa. E o cavalinho dele vai crescer. E você vai crescer! - ele fez cócegas na barriguinha da menina. Ela riu.

- E o que mais você viu? - ela estendeu a patinha na direção do bolo.

- O que mais? Eu ainda vi uma menininha, uma verdadeira princesa.

- E ela é muito bonita?

- Muito! E a cada ano, ficará mais e mais bela. Não é? - perguntou o pai, carinhosamente. A menina balançou a cabeça afirmativamente, com o bolo na boca.

- E depois?

- E depois, quando a princesa crescer, a fama sobre a beleza dela correrá todo o reino. Poetas escreverão poemas sobre ela, e pintores desenharão retratos. E uma vez, o belo príncipe verá, acidentalmente, um retrato dela e se apaixonará. Montará no cavalo branco e irá em busca da princesa.

- E depois aparecerá um dragão e sequestrará a princesa! - a filhinha bateu palmas.

- Isso mesmo! E o príncipe irá resgatá-la.

A menina riu alegremente.

- Que contos de fada saborosos que você conta, papai! E poderei convidar Iris e Lia também?

- Você não tinha brigado com elas? - sorriu o pai.

- Eu não sou mala, podem vir! - respondeu a menina. - E verdade que os príncipes são muito saborosos? - sua longa língua bipartida lambeu os lábios verdes.

- Muito! - respondeu o pai, piscando com o olho vermelho-sangue. - E os cavalos brancos também são. E as princesas então... E tenha certeza, Grilinho, você ainda terá o seu príncipe, - ele carregou a pequenina para a cama.

- Promete? - a dragãozinha colocou um bichinho de pelúcia sobre o rabo.

- Prometo!

Depois de beijar a filha no narizinho verde, o imenso dragão vermelho saiu do quarto sentindo que havia cumprido o seu dever.

Encontro com a Morte  

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Um homem estava numa taverna em Damasco. Subitamente, viu a Morte numa outra mesa. "Não pode ser!" exclama o homem, "o meu tempo ainda não chegou!" Ele foge, apavorado. Cavalga em direção a Samarra. Finalmente, chega a um poço. Está morrendo de sede, e seu cavalo está exausto. E, subitamente, vê novamente a Morte. "Não pode ser", diz ele, "eu fuji de você em Damasco!" E a Morte responde: "Sim, eu também me surpreendi ao te encontrar ali, pois o nosso encontro estava marcado aqui, em Samarra..."

Propaganda de Espartilhos  

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Definitivamente, uma pérola.






Vamos, pois, contar emocionante a história da gordinha Polly.

Aos desesseis, ela era bonita de rosto, e muito inteligente, mas desajeitada demais. Não tinha um pingo de elegância. Quem? Polly.

Aos desessete, ela era tão gorda que andava igual um patinho, que nada melhor que anda. Quem? Polly.

Quando ela fez desoito, a mãe dela percebeu que faltava graça a filha. Ela comprou espartilhos que a fizeram ficar assim. Quem? Polly.


Els não se ajustavam, sabe, eram rígidos e feios, e por trás ela ficava assim. Quem? Polly.


Ela não podia virar, não podia abaixar, até que achassem um modelo melhorado que permitia a ela se curvar. A quem? A Polly.


O espartilho era bem apertado, mas ajudou a melhorar a figura dela. A aparencia dela, aos dezenove, era igual a do desenho acima. De quem? De Polly.

E então apareceu o espartilho de Landgon & Batcheller, e agora ela e todas as suas amigas o usam e recomendam. Amigas de quem? De Polly.


E agora, aos vinte, cheia de graça, de beleza e de felicidade, seu corpo flexível pode curvar-se encantadoramente. Corpo de quem? De Polly.

Espartilhos  

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Não posso deixar de citar Gwen Raverat ao continuar sobre o tema dos espartilhos:

As senhoras nunca pareciam estar à vontade... Pois seus vestidos eram sempre feitos apertados demais, e os corpetes enrugavam horizontalmente por causa da tensão, e seus espartilhos apareciam como uma borda afiada no meio das costas delas. E apesar das barbatanas, eles poderiam formar saliência abaixo da cintura, na frente; pois, pobres coitadinhas, elas eram nada mais que humanas, apesar de tudo, e elas precisavam expandir para algum lugar.

Agora, Moriel vai compartilhar a sua experiência de tight-lacing.
Antes de tudo, a recomendação é usar espartilho sob medida. Ele é muito confortável, e quando você o coloca, se sente como se estivesse numa poltrona: relaxa as costas, não precisa contrair a barriga, nem nada, tudo fica retinho e no lugar por conta própria. Não incomoda para se movimentar, não sai do lugar, não deixa os seios "saltar" do espartilho. Para usar um espartilho diariamente, a mulher tem que ser muito sortuda para achar um pronto que se ajuste bem no seu corpo (principalmente se você for magra e não tiver uma boa quantidade de silicone nos seios).

Se você tiver qualquer problema respiratório, ou estudar/trabalhar num local que tenha muitas escadas, ou tenha que realizar atividades físicas intensas, pense duas vezes. Ou mais. O espartilho realmente faz diferença nessas horas.

Tive alguns problemas digestivos, mas foi mais por falta de auto-controle meu. Enquanto estava de espartilho, a quantidade de comida que entrava era bastante limitada. Bom pra emagrecer, né? Depois de alguns dias passando fome, comecei comer de pouquinho em pouquinho, mas o tempo todo. Além disso, tirava o espartilho à noite, deitava na cama, ficava lá uns 30 minutos e partia galopando em direção à geladeira. De alguma forma, este regime alimentar acabou não me fazendo bem.

Banheiro. Aperta um pouco a bexiga, e talvez você tenha que visitar o quarto de reflexões um pouco mais frequentemente. Ou beber menos, o que é bom, afinal, você não pode ingerir muitas coisas de uma vez e nem suar.

É bom usar alguma coisa por baixo do espartilho. Suor mais espartilho justo não é uma combinação boa para a pele, a menos que queira ter calos em lugares inusitados.

Sobre deslocamento dos órgãos, afinamento definitivo da cintura, deformações e todos os horrores, nada posso dizer. Acho que precisaria usar um espartilho por bem mais tempo do que eu usei.

Historiadoras Valerie Steele e Lynn Kutsh fizeram uma pesquisa sobre as consequências negativas do uso do espartilho, estudando exemplos de espartilhos antigos e mulheres da atualidade que usam espartilho regularmente. Em particular, tentaram descobrir o quão seriamente o espartilho afeta o volume dos pulmãos. Experiências similares foram feitas em 1998, quando voluntários usaram espartilhos do século 19 que diminuíam a sua cintura em 7,5 cm. Foi observado que o volume pulmonar diminuiu em média em 9%, chegando em alguns casos a 29%. De acordo com este estudo, espartilhos vitorianos realmente dificultavam a respiração e poderiam leva a desmaios, em particular durante atividades físicas intensas, por exemplo num baile.

Contrariamente a uma crença bastante popular, espartilhos não causam desvios de coluna, muito pelo contrário, e, em alguns casos, podem aliviar a dor nas costas. Ainda assim, uso prolongado do espartilho resulta em enfraquecimento dos músculos dorsais e abdominais. Além disso, espartilhos podem provocar deformação de costelas, caso sejam usados desde a infância. Mas no século 19, seu uso normalmente iniciava-se após 10-12 anos. Apesar do uso de espartilho poder causar grande desconforto, isso não levava a deformações permanentes: mesmo apertando as costelas, depois da remoção do espartilho, elas voltavam ao lugar. Se bem que no século 18 algumas mulheres dormiam de espartilho, e a prática persistiu no século 19.

Sobre o desconforto, novamente deixamos falar Gwen Raverat:
Nos sabíamos que era quase impossível - estavamos flaqueados por todos os lados e em desvantagem numérica - mas nos rebelamos-nos contra espartilhos. Margaret diz que a primeira vez que ela foi colocada dentro de um - quando ela tinha por volta de treze - ela correu dando voltas pelo quarto gritando de raiva. Eu não fiz isso. Eu simplesmente sai e o tirei; aguentei de mau humor a bronca que se seguiu, quando a minha condição de casca mole foi descoberta; o espartilho foi recolocado à força; e, o mais rapidamente possivel, sai e o tirei novamente. Uma das minhas governantas costumava chorar pela minha iniquidade, a este respeito. Eu tinha má figura, e para mim eles eram verdadeiros instrumentos de tortura; eles preveniam-me de respirar, e cavavam buracos profundos nas minhas partes mais macias de cada lado. Tenho certeza de que qualquer tormento pudesse ser pior pra mim.

Fígado cortado em dois é mais uma historinha de horror famosa. Realmente, por causa de um espartilho bem apertado, o fígado desce e alonga-se. Se apertar muito forte, é possível realmente causar danos. Ainda assim, de acordo com Valerie Steele, a maioria de notificações sobre deformações do fígado no século 19 está ligado não ao uso de espartilhos, mas a doenças como hepatite e cirrose. Boatos de que tight-lacing pode causar úlcera não foram confirmados durante o estudo. Contudo, descobriu-se que o espartilho pode causar prisão do ventre ou pressionar a beixiga, causando problemas urinários.

As fãs de espartilhos muitas vezes tinham problemas uterinos, mas também sob certas condições. Inúmeras mulheres, no século 19, sofriam de prolapso uterino, muitas vezes causado por numerosas gestações. Por causa da pressão sobre a parte inferior da barriga, os espartilhos agravavam esta condição. Principal tratamento contra prolapso uterino eram os pessários, uma espécie de rolhas de borracha colocadas na vagina para manter o útero no lugar. É interessante o fato de que as propagandas da época muitas vezes mostravam os pessários acoplados aos espartilhos. Mulheres que usavam espartilhos durante a gravidez ou depois do parto corriam sérios riscos. Por exemplo, vejamos o que escreve Guy de Maupassant:
Eu já havia esquecido essa história, mas há alguns dias, em uma das praias da moda, vi uma graciosa, encantadora e sedutora senhora, que usufruía de amor e respeito dos homens que a cercavam.
Eu andava pela praia de braço com um amigo, médico neste resort. Em breve, vi a babá e três crianças que brincavam na areia. Um par de pequenas muletas, largadas do lado, causaram-me um sentimento lacinante de compaixão. E então eu notei que estas três pequenas criaturas são monstruosas, corcundas, tortas, horrendas.
O médico disse-me:
- Estes são os filhos da encantadora senhora que você acabou de encontrar.
Profunda compaixão por ela e por seus filhos apossou-se do meu coração. Exclamei:
- Pobre mãe! E ela ainda pode rir!
Meu amigo continuou:
- Não tenha pena dela, meu querido. É preciso ter pena dos seus pobres pequenos. Eis as consequências das cinturas apertadas, que continuam finas até o último dia. Estas aberrações são produto do espartilho. Ela sabe que arrisca a vida assim. Mas ela não se importa, basta que ela seja bela, basta que a amem!

Existiam, é claro, espartilhos especiais para este período, que deveriam alargar-se a medida que o feto crescia, mas eles pouco se distinguiam dos seus irmãos mais tradicionais. O uso de espartilhos durante a gravidez levava a abortos ou problemas no parto. Não é de se surpreender que espartilhos muito apertados eram usados para induzir aborto.

Todas essas consequências do uso do espartilho podem levar-nos a concluir que o espartilho é um imenso mal, e todos aqueles que o usam estão condenados a uma morte dolorosa. Na verdade, é preciso separar as moscas da sopa. O uso do espartilho por si só não mata ninguém, desde que a pessoa modere e não se aperte até os olhos pularem das órbitas. Afinal, para algumas mulheres, 55 cm de cintura é um sonho inalcansável, enquanto para outras são só alguns centímetros a menos em relação ao natural. Afinal, o quanto as mulheres vitorianas diminuíam as suas sinturas?

Na Inglaterra, no século 19, corriam boatos sobre mulheres que não conseguem viver sem espartilho, usam esta peça de roupa 24 horas por dia, e apertam a cintura até 30 cm. Estas histórias normalmente começavam com palavras "Não, não sou assim, mas uma vez ouvi sobre a fulana, e ela..." Além disso, dizia-se que existiam colégios especiais, cujo objetivo principal é o afinamento das cinturas das alunas. Ou mesmo alunos. Os funcionários destas instituições obrigam os adolescentes a dormir em espartilhos apertados, diminuindo gradativamente as suas cinturas até os almejados 30 - 35 cm.

A principal fonte de informação sobre esses locais é a Englishwoman's Domestic Magazine, que recebeu, entre 1867 e 1874, mais de 150 cartas contando sobre as regras das tight-lacing schools e elogiando espartilhos. Assim, uma tal de Norah, em 1867, contou sobre a sua permanência em "uma escola em Londres para senhoritas" onde "a cintura das alunas era afinada em 3 cm todo mês". Quando ela saiu desta mesma escola, tinha, segundo ela mesma, 33 cm de cintura. Um traço distintivo das cartas cujos autores descrevem vividamente as alegrias do tight-lacing era o vocabulário. Palavras como "disciplina", "coerção", "sofrimento", "tortura" e "submissão" cobriam as páginas. Enquanto isso, as propagandas desenhavam uma imagem mais positiva: "prazer", "graça", "esplendor", "conforto"...

Outras revistas também recebiam correspondências similares. Assim, em 1863, um tal de Fanny escreveu para a revista The Wueen sobre como, aos 16 anos, foi enviado a um pensionato, onde os meninos colocavam espartilhos, cujos laços eram amarrados por duas criadas robustas, toda manhã. Outro jovem comunicou que, ao chegar no pensionato, foi imediatamente colocado dentro de um rígido espartilho, cujos laços depois foram presos por um cadeado, cuja chave foi, por sua vez, recolhida pela diretora, "bela viúva de 24 anos". Na sua carta para Society (1899), uma certa "Cintura de Vespa" contou de como revoltou-se contra o espartilho na infância. Mas se a governanta de Gwen somente chorava, a governanta francesa da "Cintura de Vespa" era uma pessoa bem mais decidida: "Depois, seguiu-se a punição, que me fez obedecer e fez-me bem. Me penduraram no teto pelos pulsos, e os pés, em botas de salto alto, foram amarrados em argolas presas no chão. Nesta posição, espancaram-me cruelmente, o que me causou forte dor, mas não deixou marcas, pois eu estava espartilhada. Antes de me soltar, a governanta apertou a minha cintura até 38 cm".

Sem dúvida, os ingleses do século 19 não tinham muita cerimônia com seus filhos, mas essas historinhas fazem pensar é em fantasias eróticas. Espancamentos, dominação feminina, sapatos de salto alto, espartilhos, amarras - enfim, tudo que um sado-masoquista iniciante poderia vir a precisar. Apesar de muitos historiadores utilizarem este tipo de material para ilustrar os horrores do espartilho, a mesma Valerie Steele está certa de que em sua maioria, autores dessas cartas tinham, simplesmente, um fetishe com espartilhos. É possível que tenham realmente vivido tudo o que descreviam, incluindo a transformação em ampulheta, mas devemos analisar criticamente o seu testemunho. Sua experiência difere significativamente da experiência diária da dona de casa vitoriana.

As ilustrações em revistas de moda e caricaturas também não dão uma resposta confiável para o grau de aperto que as senhoras vitorianas passavam. Nem mesmo as fotografias daquela época merecem confiança, já que poderiam ser retocadas para adequar a cintura feminina ao ideal inatingível. Trabalho com espartilhos que sobreviveram até os nossos dias pode esclarecer um pouco essa questão, apesar de não dar, também, uma resposta definitiva. Por exemplo, ao estudar 197 da coleção de Symington do museu de Leicester, descobriu-se que somente um deles afinava a cintura até 46 cm. Mais 11 - até 48 cm. A maioria dos exemplares afinavam a cintura até 50 - 66 cm.

Mas a circunferência da cintura não é um valor absoluto. Por exemplo, um exemplar de Nova Yorque afinava a cintura até 45 cm, com 81 cm de peito e 63 cm de quadril. Obviamente, este espartilho pertencia a uma pessoa bem magrinha. A grande maioria dos espartilhos produzidos entre 1870 e 1880 tinham os seguintes tamanhos: 76-50-76, 83-53-81, 81-56-83, 76-58-78. De acordo com a propaganda da época, tamanhos padrões eram de 45 e 76 cm de cintura.

Carlos Schwabe  

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Carlos Schwabe, pintor simbolista alemão. Seu quadro mais conhecido é "A morte do coveiro". Mas há outras coisas igualmente interessantes.

 A morte do coveiro

Destruição

Morte

Destino

 Spleen e Ideal

A negação de Pedro

Lotte

Medusa

Dor

Tâmisa 1888: primeiro dia, parte 2  

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Prosseguimos até Walton. Somente uma pequena parte da cidade pode ser vista a partir do rio, de modo que os viajantes poderiam ter a impressão de se tratar de um pequeno vilarejo. Alias, entre Londres e Oxford, somente duas cidades poderiam ser vistas direito do rio: Windsor e Abingdon. A ponte de quatro lances de Walton, unindo as margens de Surrey e Middlesex, foi construida em 1864. Além da cidade, vastas florestas estendiam-se para o interior de Surrey.

Família num barco ao lado da hospedaria “Pescador” em Walton.

A seguir, os barcos passavam pela vila de Halliford, meia milha antes de Shepperton, com o popular hotel “Navio”, bem à margem do Tâmisa. 

Tâmisa em Halliford. Na outra margem, vemos várias casas grandes, duas das quais aparentam ser hospedarias ou hotéis. Na margem mais próxima, um menino ajuda um barco a atracar. 1870.

Igreja de S. Nicolau em Shepperton. A pequena praça da igreja tinha uma aparência particularmente pitoresca devido à presença da velha casa do pároco, ao lado da igreja, e algumas hospedarias. 1883.

A eclusa de Shepperton localizava-se na frente da vila, logo depois da confluência do Tâmisa com riachos Wey, Born e com o canal de Basingtstoke. Foi reconstruída e prolongada em 1829, e tinha um desnível médio de 168 centímetros. Pelo Wey, era possível subir até Guilford.

Ponte ferroviária, ao longe vê-se a torre da igreja de S. James em Weybridge. 1870.

 
O rio Wey, próximo a Tâmisa, 1870.

Em Shepperton, a towpath passava para a margem direita do Tâmisa. A partir desse ponto, as margens do rio eram bastante planas e sem graça. Finalmente, chegava-se a ponte de Chertsey. Ali, na margem esquerda, havia o hotel “Bridge-House”, com excelente embarcadouro. Própria Chertsey, cidade provinciana com quase oito mil habitantes, ficava um pouco afastada do rio. Neste local, havia uma grande abundância de peixes, que poderiam ser pescados da própria margem do Tâmisa.

A eclusa de Chertsey ao lado do Tâmisa, no fundo há uma ponte de cinco lances, construída em 1780-85. 1870.

 
Barragem de Chertsey, 1870.

Alias, o controle sobre a pesca no Tâmisa era bastante rigoroso, com severas penas para aqueles que pescassem no período entre 10 de setembro e 31 de março, e também aqueles que pescavam peixes muito pequenos. Os fiscais poderiam revistar qualquer barco, confiscando peixes pequenos ou capturados fora da temporada, e também todas as ferramentas de pesca ilegais.

Uma senhora esperando pacientemente a balsa em Lalehem, com uma casa simpática, 1870.

Um quarto de milha acima da ponte, está a eclusa de Chertsey, reconstruída em 1866, com desnível de 90 centímetros. Seguindo pela towpath na margem direita, em breve passava-se pela vila de Laleham, na margem oposta. Este lugar era conhecido como um excelente sítio para pesca. Além disso, havia ali resquícios de um acampamento romano. Logo antes de Laleham localizava-se Laleham-House, residência de Earl de Lucan.

A próxima eclusa era a de Penton-Hook, reconstruída em 1875. Seu desnível era de 76 centímetros, e o rio logo abaixo da eclusa era rico em trutas.

Ponte de Steines, 1883.

Depois, passava-se pela ponte ferroviária, construída em 1856, para chegar a Staines. Na própria Staines, havia uma ponte de pedra, construída em 1832. Era uma cidadezinha limpa e confortável, de cinco mil habitantes. “Pouco de Staines pode ser visto do rio, e pouco em Staines representa interesse”. Da margem direita, uma trilha seguia até a estação de trem, a uns dez minutos de distância.

A prefeitura de Staines, construida em 1871-1880. 1883.

Aqui, a towpath passava novamente para a margem esquerda. A uns 300 metros depois da ponte, logo depois do rio Colnes, na margem direita, havia um canal levando até a igreja de Sta. Maria (o pessoal não era muito criativo para essas coisas), e a um embarcadouro, onde era possível alugar ou deixar barcos. Aqui também estavam os banhos femininos, cuja anuidade valia 10 shillings, e um banho único, 4 pences. Um pouco mais adiante, estava a assim chamada Pedra de Londres, que antigamente indicava o local em que acabava a jurisdição de City de London sobre Tâmisa e começava a jurisdição do Comitê do Tâmisa de Preservação de Recursos Aquáticos.

 A Pedra de Londres, 1883.

Na margem esquerda, não havia nada interessante além de uma fábrica.

Eclusa de Bell Weir, 1883.

Depois, chegava-se à eclusa de Bell Weir, nomeada assim em homenagem a seu primeiro responsável, Charles Bell. A eclusa foi reconstruída, em pedra, em 1867, e mais uma vez em 1877, com desnível de 1,5 metros. Ao lado dela, havia o hotel “Retiro do Pescador”, e uma trilha levava de lá até Egham. Mais a diante, o Tâmisa passava pela vila de Runnymede, e a partir daí a paisagem era bastante plana e tediosa até Ankerwycke.

 Barragem de Bell Weir, 1883.

Cabo Piquenique, ou simplesmente Piquenique era o local favorito dos amantes de recreação ao ar livre. Ele estava um pouco depois de Ankerwycke, na margem direita, perto de Ankerwycke-House e do caramanchão chamado Piquenique, que deu nome ao cabo todo. 

 Tâmisa nas proximidades de Egham, 1883.

Cabo Piquenique, 1889.

Tâmisa 1888: primeiro dia, parte 1  

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Normalmente, se um habitante de Londres queria passar uma semana ou outra no Tâmisa, para descansar do barulho e fumaça da cidade, pegava um trem na estação de Euston-Square ou de Paddington e seguia até Oxford: uma viagem de 63 milhas. Isso custava-lhe 11 shillings na primeira classe, 8 shillings e 6 pences na segunda, ou 5 shillings e 3 pences e meio na terceira. Aqui, ele poderia alugar um barco, o que custava-lhe uns 3-4 pounds até Teddington. Este valor incluía também o transporte do barco de volta: ao chegar ao destino, era necessário comunicar ao proprietário que o barco está livre, e o local em que este foi deixado.

Contudo, vamos preferir subir, primeiro, contra a correnteza, para depois retornar. Um dos motivos que levavam as pessoas a optar por este roteiro era o econômico. Além disso, os barcos de Oxford deixavam a desejar.

Estação de Waterloo, final do séc. 19. Foi aberta em 1848 como uma estação temporária, já que pretendia-se prolongar a linha além desta estação. Foi reconstruída em 1900.

Plataformas 1 e 2 de Waterloo (por volta de 1910).

Assim, vamos a estação de Waterloo e embarcamos no trem para Kingston. A viagem, de 12 milhas, levava em torno de 25 minutos, e a passagem custava 1 shilling e 6 pences na primeira classe. A estação de Kensington ficava na margem direita (sul) do Tâmisa, de modo que o trem atravessava o rio antes de chegar ao destino.

Uma senhora com um menino embarcam para um passeio no Tâmisa, em Kingston. Ao longe, vê-se a ponte de Kingston. 1878.

Ponte de Kingston, com torre da igreja de Todos os Santos no fundo.

Acima da ponte ferroviária de cinco lances, construída em 1863, havia a ponte de Kensington, mais antiga. Era possível combinar que o barco esperasse seus passageiros entre estas duas pontes, bem próximo à estação.

O primeiro passo da viagem de 91 milhas até Oxford eram as 9,5 milhas até Shepperton. O barco passava pela ilhota de Messenger Island, e chegava a Thames Ditton, vilarejo na margem esquerda, cujas principais atrações eram o hotel “Cisne”, uma das “capitais” dos pescadores do Tâmisa, e o sítio de Boyle. Nas proximidades de Thames Ditton, começava a regata de Kingston.

 Vista para Thames Ditton, 1860.

 Hotel “Cisne” com embarcadouro, em Thames Ditton, 1870.

Panorama do rio, na região da Thames Ditton.

Towpath – trilha à margem do rio que permitia que os barcos fossem puxados por cordas – entre Kingston e ponte ferroviária de Hampton Court, uma milha acima de Thames Ditton, passava pela margem esquerda. Regras rígidas estabelecidas para puxar barcos proibiam andar em locais onde não havia uma trilha específica para esse fim. Era proibido andar a cavalo ou de carruagem pela towpath, e também deixar ali quaisquer objetos ou ancorar barcos na margem da towpath. Aqueles que puxavam o barco ao longo da margem, eram obrigados a manter as cordas num nível fixo, para que, ao se deslocar, estas não danificassem as margens, as eclusas e outros.

 Towpath ao longo do Tâmisa.

Grande palácio real em Hampton Court, inicialmente construído como residência do cardeal Wolsey em 1514. Passou para as mãos da Coroa em 1529. 1870.

 Ponte de Hampton Court, construída entre 1864 e 1866. 1875.

 Ponte de Hampton Court, com hotel “Castelo” à esquerda. Final do séc. 19.

Na margem esquerda, na altura da ponte de Hampton Court, havia o East Molesey com uma estação ferroviária, enquanto o próprio Hampton Court se localizava na margem direita do Tâmisa.

Ali, era necessário passar para a outra margem, para puxar o barco até a primeira eclusa do nosso trajeto. Era a eclusa de Molesey, de madeira, construída ainda em 1815, com desnível médio de 180 cm. Possuía uma rampa para subida e descida de barcos de passeio.

Eclusa de Molesey, fotografada de Hampton Court, com a barragem ao longe, 1870.

No total, havia 31 eclusas até Oxford. Eram todas de câmaras, com duas comportas. Para o transporte de barcos da parte superior para a inferior, o nível de água da câmera era igualado ao do rio acima da eclusa. Feito isso, a primeira comporta se abria, permitindo entrada de barcos. Depois disso, a comporta era fechada, e liberava-se água até que seu nível descesse até o nível do rio abaixo da eclusa. A outra comporta era então aberta, permitindo a saída dos barcos. O deslocamento inverso ocorria de forma análoga.

 Eclusa de Molesey, 1883.

As eclusas não se localizavam nas barragens, mas num canal lateral. Dessa forma, existia uma ilha entre a barragem e o canal. As primeiras eclusas foram construídas no final do século 18, mas a grande maioria delas foi modernizada nos anos 50-60 do século 19. A passagem pela eclusa era paga, com 6 pences por barco e 1 shilling e 6 pences por barco a vapor.

A grande barragem no Tâmisa em Molesey, 1883.

A eclusa de Molesey era o local favorito de passeio “daqueles que preferem criticar as habilidades esportivas dos outros, e não mostrar-se, e nos domingos, durante o verão, está sempre cheio de grupos nem sempre seletos de pessoas”.

Uma atração do local era o labirinto de Hampton Court. Projetado por George London e Henry Wise entre 1689 e 1695 para William III, cobria uma área de aproximadamente 1350 metros quadrados e tinha quase 800 metros de trilhas.

Além da eclusa de Molesey, havia uma ilha com hotel e barracos para barcos, e, mais adiante, a cidadezinha de Hampton, de aproximadamente cinco mil habitantes. Suas atrações incluíam a igreja de Sta. Maria.

 Igreja de Sta. Maria, em Hampton.

Sunbury.

A seguir, depois de passar por locais bastante sem graça, chegava-se ao riacho de Sunbury, perto da cidade e eclusa homônimas. Esta eclusa, reconstruída em 1856, de acordo com “princípios científicos”. O nível da água na sua câmara era controlado por máquinas, o que teve por resultado a sua grande lentidão, tornando a eclusa alvo de inúmeras gracinhas.

Dois grupos de pessoas, aguardando nas proximidades da eclusa de Sunbury, 1880.

Barragem de Sunbury. À direita, vê-se o canal da eclusa, 1883.

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