Monólogo da esposa de um bombeiro de Chernobyl 2  

Posted by Moriel in ,


Ela me perguntou logo:

  • Minha querida! Querida... Tem filhos?

Como vou confessar?! E já compreendo que devo ocultar a minha gravidez. Não vai deixar! Que bom que sou magrinha, não dá pra perceber nada.

  • Tenho. - Respondo
  • Quantos?

Penso: “Tenho que falar que dois. Se um, não vai deixar do mesmo jeito”.

  • Menino e menina.
  • Se são dois, provavelmente não vai ter mais. Agora ouça: sistema nervoso central totalmente atingido, medula totalmente atingida...

“Tudo bem, então, - penso, - vai ficar um pouco nervoso”.

  • Ouça também: se chorar – vou te mandar embora na hora. Não pode abraçar e beijar. Não chegar perto. Dou meia hora.

Mas eu sabia que já não irei mais embora daqui. Se for, só junto com ele. Jurei!

Entro... Eles estão sentados na cama, jogam baralho e riem.

  • Vássia! - gritam para ele.

Se vira:

  • Irmãos, estou perdido! Até aqui ela me achou!

Tão engraçado, vestindo um pijama tamanho quarenta e oito, e o dele é cinquenta e dois. Mangas curtas, calça curta. Mas desapareceu o inchaço do rosto... Lhes davam algum soro...

  • E porque é que sumiu? - pergunto.

E ele quer me abraçar.

  • Sentado, - não permite o médico. - Nada de abraços aqui.

De algum jeito, transformamos isso em piada. E aí, acorreram todos, e das outras salas também. Todos os nossos. De Pripyat. As vinte e oito pessoas que trouxeram por avião. O que houve? O que está acontecendo lá na cidade? Eu respondo que começou a evacuação, toda a cidade é levada embora por alguns dias. Os rapazes ficam calados, e lá havia duas mulheres, uma delas estava de plantão no dia do acidente, e ela começou a chorar:

  • Meu deus! Meus filhos estão lá. O que houve com eles?

Eu queria ficar a sós com ele, nem que seja por um minutinho. O pessoal sentiu isso, e cada um inventou uma desculpa, e eles saíram para o corredor. Então eu o abracei e beijei. Ele se afastou:

  • Não se sente perto de mim. Pegue uma cadeira.
  • É besteira tudo isso, - dei os ombros. - E você viu onde foi a explosão? O que houve? Vocês foram os primeiros a chegar lá...
  • É provável que seja sabotagem. Alguém fez de propósito. Todos os nossos pensam assim.

Então falavam assim. Pensavam.

No dia seguinte, quando eu vim, eles já estavam um a um, cada um em um quarto separado. Era expressamente proibido sair para o corredor. Comunicar-se. Batiam nas paredes: ponto - traço, ponto – traço... Ponto... Médicos explicavam isso dizendo que cada organismo reage de forma diferente para a radiação, e aquilo que um suporta, o outro não aguentaria. Lá onde eles estavam, até as paredes davam fora de escala. Esquerda, direita, um andar abaixo deles... Removeram todos de lá, não restou um doente... Embaixo deles e em cima deles, ninguém...

Vivi três dias com uns conhecidos de Moscou. Eles me diziam: pegue a panela, pegue o prato, pegue tudo o que precisar, não tenha vergonha. Eram pessoas tão... Tão! Eu fazia caldo de peru, para seis pessoas. Seis nossos rapazes... Bombeiros... Do mesmo turno... Todos eles estavam de plantão naquela noite: Vachiuk, Kibenok, Titenok, Pravik, Tichiura. Comprei para eles todos pasta de dente, escovas, sabonete. Não tinham nada disso no hospital. Comprei toalhas de rosto... Me maravilho agora com os meus conhecidos, eles, é claro, tinham medo, não poderiam não ter medo, já corria toda sorte de boatos, mas eles mesmo assim me ofereciam: pegue tudo o que precisar. Pegue! Como ele está? Como todos eles estão? Eles vão viver? Viver... Encontrei então muitas pessoas boas, não me lembro de todos... O mundo estreitou-se a um único ponto... Ele... Somente ele... Lembro da enfermeira idosa, que me ensinava: “Há doenças que não se curam. É preciso sentar do lado e segurar a mão”.

De manhã cedo vou à feira, de lá para casa dos amigos, preparo o caldo. Ralar tudo, picar, dividir em porções. Alguém pediu: “Traga uma maçã”. Com seis garrafinhas de meio litro... Sempre para seis! Para o hospital... Fico até tarde. E à noite – novamente para o outro lado da cidade. Quanto eu duraria? Mas três dias depois ofereceram para viver no hotel para médicos, no território do próprio hospital. Deus, que felicidade!!!

  • Mas lá não tem cozinha. Como vou fazer comida para eles?
  • Você já não precisa mais cozinhar. Os estômagos deles estão deixando de aceitar comida.

Ele começou a mudar – cada dia, eu já encontrava uma outra pessoa... As queimaduras afloravam... Na boca, na língua, nas bochechas – primeiro apareceram pequenas feridas, depois elas cresceram. A mucosa saía em camadas, camadinhas brancas. Cor do rosto... Cor do corpo... Azul... Vermelho... Cinza e marrom... E ele todo e tão meu, tão amado! É impossível contar isso! É impossível escrever! E até mesmo viver... Salvava que tudo isso acontecia instantaneamente, não tinha tempo para pensar, não tinha tempo para chorar.

Eu o amava! Eu ainda não sabia o quanto o amava! Tínhamos acabado de nos casar... Não havíamos terminado de nos alegrar um com o outro... Andamos pela rua. Levanta-me nos braços e rodopia. E beija, beija. As pessoas passam, todos sorriem.
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5

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